Uma fotografia em que uma bandeirinha aparece cercada por jogadores do Murici ganhou grande repercussão nesta semana. A bandeirinha em questão é Raquel Barbosa, de 29 anos. A imagem que pipocou nas redes sociais e nos sites de notícia é da fotojornalista Pei Fon, do portal TNH1 de Maceió, que desde 2014 atua na cobertura esportiva.
Tudo começou com a decisão da bandeirinha de confirmar um gol do CSA, que acabaria vencendo por 2 a 1 o Murici no Campeonato Alagoano – o que fez com que os jogadores do time perdedor se concentrassem ao redor de Raquel para questionar a decisão.

A imagem chama a atenção pela firmeza com a qual a bandeirinha parece lidar com a situação calorosa em campo e também joga luz na discussão da questão de gênero no esporte levantando muitas críticas e questionamentos sobre um comportamento machista por parte dos jogadores do Murici – questionamento com o qual protagonista do clique, Raquel não concorda. À reportagem do UOL, ela disse que “foi uma situação de jogo, não vejo como machismo. Os atletas não foram grosseiros ou abusivos, apenas protestaram com insistência porque acharam que houve falta no lance (que levou ao gol do CSA)”. O goleiro, Leo Murici, que aparece na foto encarando Raquel de uma maneira mais assertiva levou cartão amarelo.
A autora do registro, Pei Fon, que não imaginava a repercussão da foto, sabe que no mundo esportivo é normal os ânimos se exaltarem. “A reclamação é algo comum no futebol, ainda mais em lances polêmicos, disse ao IconPHC. “A diferença está no controle emocional. Uns têm, mesmo diante da situação adversa, não compreende a marcação da arbitragem, mas respeita e outros, definitivamente, não têm.” E separa o ocorrido do âmbito do gênero. “Os jogadores pecam bastante nesse quesito (autocontrole), independentemente se é homem ou mulher.”
Para a fotógrafa, no entanto, a discussão da questão de gênero ganhou um peso com esse clique por conta do momento político aflorado que o país atravessa e o território das redes sociais onde todo mundo se sente autoridade para cravar verdades sobre qualquer assunto. Isso fez com que a foto ganhasse esse significado. “A imagem ganhou uma conotação que, particularmente, por estar inserida (no universo do esporte) e entender do assunto, não deveria ter sido essa”. A fotógrafa ainda conta que sua intenção com o registro era jogar luz na questão de equilíbrio emocional — que Raquel mostrou ter de sobra. “Existe sim a discussão sobre o equilíbrio emocional estampada na imagem (…) é como saber lidar com as dificuldades. O Mundo te cobra, as pessoas te cobram, mas você deve permanecer plena”, afirmou.
Toda interpretação é individual, mas avaliar o contexto em que ela foi feita e investigar minimamente sobre o fato registrado é uma maneira de evitar uma interpretação equivocada. É claro que a questão da desigualdade de gênero é um problema no esporte, não se questiona ou se diminui a importância disso, principalmente no futebol – a própria fotógrafa conta que para conseguir trabalhar fazendo esse tipo de cobertura é necessário “ignorar” o assédio vindo da arquibancada – a questão é um alerta para que as imagens sejam sempre questionadas e investigadas – lembrando que a fotografia não é um atestado de verdade.
Recorrendo ao autor François Soulages no livro A Estética da fotografia: perda e permanência: “Ao termos uma necessidade tão grande de acreditar, caímos na ilusão: a ilusão de que havia uma prova graças à fotografia.” Na mesma linha, o professor da USP Boris Kossoy complementa: “A imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como documento iconográfico acerca de uma dada realidade. Trata-se de um testemunho que contém evidências sobre algo.” Como a própria Pei Fon lembrou “trata-se de um recorte da realidade.”
De toda forma, em um universo em que as bandeirinhas e árbitras ilustram de forma incansável as galerias que exaltam somente “seus atributos físicos” nos sites de esporte, a fotógrafa Pei Fon marcou um golaço ao buscar evidenciar o profissionalismo e jogo de cintura da bandeirinha Raquel Borges.