Imagina ser um jovem de 24 anos e perder a visão por conta de um acidente de trabalho. Foi o que aconteceu com Valdir Silva, gaúcho de Frederico Westphalen, município com pouco mais de 30 mil habitantes, a 430 quilômetros de Porto Alegre. Valdir faz parte da estatística de 6,5 milhões de brasileiros que têm alguma deficiência visual.
A decisão de sair do interior do Rio Grande do Sul para ter uma oportunidade profissional nos arredores de Porto Alegre transformou, literalmente, a vida de Valdir. Foi no quarto ano de trabalho em uma fábrica de sapatos que um acidente o fez perder completamente a visão. “Quando recebi o diagnóstico dizendo que eu ficaria cego foi como se o mundo tivesse acabado. Meu primeiro impulso foi ir até um supermercado comprar uma corda e tirar minha vida.”

Foi na reabilitação, na cidade de Canoas, no entanto, que Valdir foi lançado ao desafio de trabalhar com uma das linguagens mais visuais: a fotografia. “A justificativa (da professora que o acompanhava na reabilitação) foi desenvolver outras habilidades e sentidos. Quando se fala que a fotografia é algo somente visual as pessoas esquecem que nossos verdadeiros olhos estão no coração.”
Em entrevista exclusiva ao Icon Photo Club, Valdir Silva, compartilhou as dores e as delícias de ser um fotógrafo cego.
IconPHC: A pergunta que, provavelmente, todo fotografo já ouviu: mas qual o momento certo de fotografar?
Valdir: Eu identifico o momento certo para fazer uma foto por meio das sensações que tenho quando vou passear, escuto a voz de alguém ou escuto os sons da natureza, sinto o perfume de uma flor ou de uma pessoa. Todo nosso corpo fala quando perdemos a visão”.
IconPHC: Qual o maior desafio?
Valdir: Meu grande desafio não é fotografar, meu maior desafio é tocar o coração das pessoas e fazer com que elas entendam que sou capaz de fazer qualquer coisa, inclusive fotografar. E claro, respeitando minhas limitações.
IconPHC: Como é a questão de acessibilidade com as câmeras fotográficas e qual câmera você usa?
Valdir: Não existe uma acessibilidade com relação às câmeras. Eu uso uma Nikon 3200. O que faço é adaptar a câmera e assim posso desenvolver meu trabalho. Eu queria sugerir que os fabricantes de câmera levassem a acessibilidade em conta fazendo adaptação no sistema das câmeras.
*As assessorias de imprensa da Nikon e da Canon no Brasil foram procuradas pelo Icon Photo Club para saber se existe alguma iniciativa de acessibilidade em suas câmeras, mas nenhuma deu retorno até o fechamento desta matéria.
IconPHC: Qual o sentido que você mais usa para fotografar?
Valdir: Todo o nosso corpo fala quando perdemos a visão, mas o maior sentido condutor é o olhar diferenciado que passamos a usar, o olhar do coração.
IconPHC: O que você considera uma boa fotografia?
Valdir: Considero uma boa fotografia aquela que reproduz não a beleza da matéria e sim a essência.
IconPHC: Qual fotógrafo você mais admira?
Valdir: Sou fã do fotógrafo Sebastião Salgado. É meu sonho conhecer o trabalho dele. Acho que sou como ele. Ele fotografa a essência das coisas. Queria perguntar se um dia ele me deixaria fotografá-lo. E se ele descreveria uma foto dele para mim. Conheço sua história, mas nunca me descreveram uma foto dele. Me emociono ao falar de alguém como ele.
IconPHC: Como foi a primeira foto que você tirou?
Valdir: A primeira foto que fiz foi de uma aranha suspensa na teia no meio de uma mata. Eu estava acompanhado pelo meu sobrinho e ele descreveu como era, me posicionei deitado no chão e cliquei.
IconPHC: Qual foto você ainda não fez, mas gostaria de fazer?
Valdir: Tenho um sonho de fotografar o por do sol no mar, pois até hoje só fotografei o nascer do sol.
IconPHC: Você conhece o trabalho de algum outro fotógrafo cego?
Valdir: Conheço sim. O nome dele é Evegen Bavcar nasceu na cidade da Eslovênia, em 1946. Ele tem um trabalho fantástico.
- Evgen Bavcar é um fotógrafo esloveno que traz em sua obra a relação entre a visão, a cegueira e a invisibilidade. Bavcar é completamente cego dos dois olhos e faz suas fotos por meio da relação verbal.

